Paquistão sob o jugo da monção: desastre evitável expõe fragilidades do Estado
Inundações deixam centenas de mortos e escancaram o abandono estatal diante de tragédias previsíveis

O Paquistão enfrenta uma das piores tragédias naturais em décadas. O número de mortes ultrapassa 700 em todo o país desde o fim de junho, com centenas de vítimas registradas apenas nas últimas semanas por enchentes causadas pelas monções e por eventos extremos de chuva repentina — os chamados "cloudbursts", que despejam volumes impressionantes de água em menos de uma hora, principalmente nas regiões montanhosas do noroeste.
A província de Khyber Pakhtunkhwa (KP) é o epicentro da tragédia. Só em Buner, região mais atingida, houve entre 200 e 280 mortes em um único dia; em outras localidades da província, o número de vítimas também se conta às centenas. A resposta das autoridades foi lenta, e a população ficou à mercê da natureza — um reflexo claro da falta de planejamento e da ausência de investimentos em infraestrutura básica e de resposta rápida.
O modelo de ação do Estado mostrou-se, mais uma vez, ineficaz. Mesmo diante de um histórico de desastres semelhantes, os alertas falharam. Em muitas áreas rurais, os sistemas tradicionais de aviso — como alto-falantes em mesquitas — nem chegaram a ser utilizados. Moradores relatam que as inundações chegaram em segundos, sem qualquer aviso prévio.
Apesar de alguns avanços na resposta, como a reativação parcial da rede elétrica e a reabertura de vias principais, o colapso no sistema de prevenção é gritante. O que se vê é um padrão repetido: governos que relegam os investimentos em infraestrutura e tecnologia de prevenção acabam provocando tragédias anunciadas — e quem paga o preço são os cidadãos comuns.
É evidente que o aquecimento global tem ampliado a frequência e intensidade desses fenômenos. Ainda assim, a inércia das autoridades impressiona. Pouco se investe em monitoramento climático, defesa civil ou descentralização da gestão de riscos. E, como sempre, os discursos oficiais se limitam a prometer reconstrução, compensações e reassentamentos — quando, na verdade, o que falta é uma mudança estrutural na forma de lidar com o risco.
Vale lembrar que o país já conheceu dramas parecidos: em 2022, inundações igualmente devastadoras tiraram a vida de quase 1.700 pessoas. A história se repete, não por acaso, mas por escolha — ou, melhor dizendo, por negligência institucional.
Mais chuvas são esperadas até o início de setembro. Mas a verdadeira tempestade é política. Enquanto não houver coragem para romper com a rotina de improvisos e retórica vazia, o ciclo de tragédias continuará. E o povo, como sempre, continuará pagando com a própria vida.
*Com informações jovempan.
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