“Rastro de fogo” no céu de Campo Grande intriga moradores e revela fenômeno ligado ao lixo espacial
Fragmento de foguete cruza os céus de Mato Grosso do Sul e reacende debate sobre lixo espacial e segurança orbital

Na noite desta sexta-feira (20), exatamente às 19h34, moradores de diversos bairros de Campo Grande e do interior de Mato Grosso do Sul presenciaram um espetáculo singular: um rastro de luz intenso cortando o céu, seguido de uma breve trilha incandescente que logo se dissipou no horizonte. Como é próprio da curiosidade humana, não demoraram as teorias: meteoro, satélite, míssil e, até mesmo, sinal divino.
Mas a resposta, como sempre, vem da ciência. Segundo apuração da Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros (Bramon) — que monitora os céus do país 24 horas por dia —, tratava-se de um fragmento de lixo espacial, provavelmente parte de um antigo estágio de foguete, que ao reentrar na atmosfera se aqueceu por conta do atrito com o ar e foi completamente desintegrado antes de alcançar o solo.
“O brilho foi intenso, mas não houve qualquer risco. Esses fragmentos queimam completamente antes de tocar a superfície. É um fenômeno relativamente comum, mas nem sempre visível em áreas urbanas, dependendo da hora e das condições climáticas”, explica Marcelo Zurita, presidente da Bramon.
O que é lixo espacial?
Lixo espacial é o termo técnico para designar qualquer objeto fabricado pelo homem que está em órbita da Terra, mas que já não tem mais utilidade. São satélites desativados, pedaços de foguetes, parafusos, painéis solares quebrados e até ferramentas perdidas por astronautas durante missões.
Estima-se, segundo a NASA e a Agência Espacial Europeia (ESA), que mais de 36 mil objetos maiores que 10 centímetros orbitam o planeta. Somados aos milhões de fragmentos menores, formam verdadeiros cinturões de sucata em volta da Terra. E todos, mais cedo ou mais tarde, acabam por cair — ou queimando na atmosfera, ou, raramente, chegando ao solo.
“Esse lixo representa um risco real não só para satélites em funcionamento, como também para futuras missões espaciais. A Estação Espacial Internacional (ISS) já precisou, inclusive, realizar manobras de emergência para desviar de detritos”, explica o professor Hamilton Corrêa, físico da UFMS.
Por que o clarão?
Quando um objeto entra na atmosfera terrestre em alta velocidade — geralmente entre 25 mil e 28 mil km/h — o atrito com as moléculas do ar gera calor extremo. Esse calor aquece o objeto a temperaturas superiores a 1.500°C, fazendo com que ele incendeie e crie aquele efeito visual tão semelhante a um meteoro.
A diferença é que meteoros são fragmentos naturais — pedaços de asteroides ou cometas —, enquanto o fenômeno da última noite foi causado por material tecnológico, vestígio das atividades humanas no espaço.
O perigo existe?
Especialistas garantem: para cada 100 toneladas de lixo que caem, 99,9% se desintegram completamente na reentrada. Entretanto, há registros históricos de fragmentos que chegaram ao solo.
O caso mais famoso ocorreu em 1979, quando pedaços da estação espacial americana Skylab caíram na Austrália, sem causar vítimas, mas assustando moradores. Em 2022, partes de um foguete chinês caíram no Oceano Índico, gerando alerta internacional.
“Embora raro, o risco não é zero. Mas, no caso de Campo Grande, a queima foi completa. Não houve relatos de queda de fragmentos ou danos materiais”, afirmou Zurita.
A beleza e o alerta
O clarão, além de um espetáculo visual, serve de lembrete para um problema que cresce silenciosamente. A humanidade lançou, desde 1957, mais de 15 mil satélites. Com o advento de megaconstelações — como a Starlink, de Elon Musk —, o número de objetos em órbita quadruplicou nos últimos cinco anos.
Sem uma regulamentação mais firme sobre desativação e remoção de satélites, o risco de colisões e quedas de detritos cresce a cada ano.
“É fascinante olhar para o céu e ver algo assim. Mas, ao mesmo tempo, é um alerta do quanto precisamos pensar em sustentabilidade espacial”, conclui o professor Hamilton.
Como diria um velho amigo jornalista, que há décadas observa os rumos da humanidade e seus reflexos no nosso pequeno planeta azul: nem tudo que brilha no céu é estrela. Muitas vezes, é só mais um lembrete de que até no espaço deixamos nossa pegada — ou nosso lixo.
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